quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A Doma do Touro - Iluminação Através do Zen




I. Procurando o Touro 

Onde está o seu Touro, onde, onde?
Em que secreto lugar, ele se esconde?
Do amo aflito que, a esmo vaga?
Longe de casa, cumpre triste saga:
Ossos moídos, coração pesado,
Pés doloridos, aterrorizado,
Em sonhos, vai laçando mil amarras:
Só lhe responde o canto das cigarras.

 


II. Rastreando o Touro

Olhando o solo, consultando os astros,
Busca encontrar, nos almejados rastros,
O Touro fugitivo. Matos densos,
Lagos profundos, desertos imensos,
Lá vai ele à procura do seu Touro,
Aqui e Agora seu maior tesouro,
Tão forte, tão potente, o bicho seu,
Patas na Terra, focinhando o céu.






III. Vislumbrando o Touro 

Seu mundo todo, pequenino atalho,
Suave brisa balançando um galho,
Manhã serena, radiante Sol,
Cantar sonoro do par-rouxinol
Que faz do frágil ramo do salgueiro,
O início-fim do próprio cativeiro,
O Touro ali está, ele o vislumbra:
Com tão parco poder já se deslumbra...

 
IV. Agarrando o Touro 

O Touro corcoveia, vai bufando
E triste, os verdes prados vai deixando
Com pesar tão sentido, tão profundo,
Como chegado fosse o fim do mundo.
O laço deve estar firme e seguro,
Pois o Touro, temendo seu futuro,
Livrar-se tenta do feroz cabresto
E o fará, se o amo não for lesto.


V. Amansando o Touro 

O bicho segue o amo passo a passo,
Mas pode ainda tentar romper o laço
Que o retira das poças lamacentas
Puxado por um fio preso nas ventas.
O pelo negro, branco vai ficando,
O Touro, pouco a pouco, se tornando
Manso, limpo, gentil e paciente,
Ao dono fiel é, e obediente.



VI. Cavalgando o Touro

Do Touro faz perfeita montaria
Para levá-lo ao fim da romaria,
Montado no animal, ao Lar regressa,
Tão livre como o ar, trota sem pressa,
Nem olha pra trás; o ceú fitando,
Suaves melodias vai tocando
Na flauta, que compassa o trote-trote
Do Touro que prescinde de chicote



VII. Esquecendo o Touro

O Sol ainda luz no alto céu,
O Touro já se foi. O amo esqueceu
O laço inútil, o cabresto duro,
Seu sonho nada tem de mau ou puro.
Sentado tão tranquilo, tão sereno,
Aguarda o fim do dia longo-ameno,
A chegada da Luz na escuridão
Harmoniosa, doce solidão!



VIII. Desapegando-se de si 

Silente já do Touro esquecido,
Ele se une ao luar embevecido:
Não mais importam os dias tormentosos
A vagar pelos ermos pantanosos,
Onde, perdido, caminhava a esmo
À procura do Touro, de si mesmo,
Tão humilde, tão simples, tão sozinho...
Não cogita em seguir nenhum Caminho.



IX. Retornando à Fonte

A Roda gira sem nada mover:
Ouvir é não ouvir, ver é não ver.
Voltou à Origem, retorno à Fonte;
O Sol sempre a surgir no horizonte,
Fluindo a fonte cristalina espelha
A flor, naturalmente flor vermelha...
Sozinho na cabana, em paz viceja.
O que existe lá fora não deseja...


X. Convivendo na Praça do Mercado 

Com as mãos que abençoam, ele vem à cidade.
Fechada está a porta de sua velha choça.
Nem mesmo do mais sábio a extrema acuidade,
Vê algo diferente no homem que o roça
E segue sorridente sua própria estrada,
Sem pisar de algum Buddha a divina pegada.

Cedo, com a tigela na mão, ele vai ao mercado,
Tarde Retorna à casa, ao bordão arrimado.
Faz de quem bebe vinho com alegria
Uma fraterna, dileta, grata companhia,
Que partilha também com qualquer açougueiro;
Ele, em todos, percebe o Buddha Verdadeiro.

Descalço, peito nu, na Praça do Mercado,
De cinza recoberto, de lama salpicado,
Ri: um riso franco, livre, aberto...
Os místicos poderes dos Devas, ele os esquece,
Mas, a seu toque, a árvore seca - é certo-
Toda verde se faz e, terna, refloresce...

 Texto retirado do livro: Os Dez Quadros - Iluminação Através do Zen - Ramanadi

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